Edifícios chamam atenção em Vicente Pires, região antes restrita a casas (ao fundo, os espigões de Águas Claras)
Além de originárias de invasões, Vicente Pires e Grande
Colorado registram, agora, a construção de prédios irregulares que não cumprem
as normas básicas de segurança. A partir de hoje, o Correio publica série sobre
o caos urbano no DF
O verde das chácaras de Vicente Pires deu lugar ao concreto
das casas e das vias dos condomínios irregulares. Todos os moradores da região
conhecem o resultado do processo de parcelamento ilegal: inchaço populacional,
engarrafamento, falta de áreas para equipamentos públicos e ausência de
infraestrutura. Três décadas depois das primeiras invasões, o processo de
adensamento da região entra em uma nova fase e, mais uma vez, as autoridades
assistem impassíveis às irregularidades. As casas, agora, dão espaço a prédios
cada vez mais altos, construídos sem autorização e sem seguir normas mínimas de
segurança. A maioria das edificações abriga quitinetes, o que multiplica o
número de habitantes por metro quadrado. A cena se repete em outras regiões de
parcelamentos irregulares, agravando problemas como trânsito e sobrecarregando
a infraestrutura pública.
A
verticalização irregular e desenfreada do Distrito Federal e o crescimento das
invasões de terra são os primeiros temas da série Do planejamento ao caos
urbano, que o Correio publica a partir de hoje. Nos próximos dias, a reportagem
vai mostrar novas e velhas agressões ao tombamento da cidade e o insistente
desrespeito às normas urbanísticas da capital. O jornal também vai revelar o
impacto ambiental do crescimento desordenado e debater causas e soluções dos
principais problemas urbanos do DF.
São mais de 30 prédios com seis andares ou mais. Alguns, em construção, oferecem risco à população
A proliferação de prédios em regiões irregulares é um dos
novos disparates urbanísticos que preocupam especialistas e o governo.
Levantamento da Associação de Moradores de Vicente Pires e Região (Amovipe)
apontou a existência de mais de 30 edifícios com seis andares ou mais. “Cada um
pode ter até 100 apartamentos. Esses prédios são construídos sem obedecer a
qualquer regra de edificação e sem o relatório de impacto de trânsito”, critica
o presidente da Associação de Moradores de Vicente Pires (Amovipe), Gilberto
Camargo.
Ele reclama,
ainda, que boa parte das edificações irregulares invade área pública e ocupa
calçadas. Essa tendência provoca efeitos no dia a dia dos moradores, como
transtornos na mobilidade. “Você pode levar horas para ir de uma quadra a
outra, dentro da cidade. E não existe fiscalização. Eles vêm, notificam uma
construtora e nunca mais aparecem. Aí, as obras prosseguem a todo vapor”,
reclama o presidente da Amovipe. Há anúncios de prédios inacabados, ainda no
reboco, que custam mais de R$ 3 milhões.
Na avenida comercial do Colorado, um prédio em construção sofreu embargo judicial
O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
(MPDFT) abriu procedimento para acompanhar o agravamento do caos urbanístico de
Vicente Pires gerado pela construção de prédios, especialmente nas áreas
comerciais. A promotora de Defesa da Ordem Urbanística Maria Elda Fernandes
Melo diz que as características da cidade podem representar um risco a mais
para as construções. “Por causa do solo de Vicente Pires, esses prédios altos e
irregulares são um risco altíssimo para as pessoas que vivem ao redor”, alerta
a promotora.
A
verticalização irregular se repete em outras regiões. Na Quadra 4 do Jardim
Roriz, em Planaltina, a Defesa Civil interditou um pequeno prédio construído em
meio às casas. Como a obra foi feita com material de má qualidade e sem seguir
normas básicas de engenharia, a edificação ameaça ruir. Os moradores de pelo
menos cinco residências vizinhas tiveram de deixar o local.
A comerciante Viviane tem uma petshop no Grande Colorado: Está cada dia pior
O secretário de Gestão do Território e Habitação, Thiago de
Andrade, explica que o governo vai criar uma governança territorial, que se
ocupará de problemas como a verticalização irregular. “Essas construções têm um
grande impacto na infraestrutura viária, nas redes de esgoto e de luz, por
exemplo, e representam uma interferência na paisagem. Elas também causam danos
ambientais e até geológicos”, diz o secretário.
Embargo
No Grande
Colorado, na região de Sobradinho, a avenida comercial foi tomada por prédios.
Na maior parte dos casos, os imóveis têm apenas quitinetes, alugadas por cerca
de R$ 700. A via de acesso à região já era congestionada e, agora, fica
praticamente parada em horários de pico. Em meio aos prédios das mais variadas
alturas, um espigão chama a atenção e interfere brutalmente na paisagem.
Empreendedores fizeram sem autorização um prédio de sete andares, o mais alto
da região.
A
Urbanizadora Paranoazinho, empresa dona das terras na área, recorreu à Justiça
para pedir o embargo das obras. O diretor da empresa, Ricardo Birmann, lembra
que empreendimentos totalmente fora dos padrões urbanísticos como esse
atrapalham até o processo de regularização do bairro. “Não temos poder de
polícia; por isso, recorremos à Agefis e à Justiça para barrar essas
construções e interromper o uso irresponsável do solo”, explica Birmann.
O juiz
Carlos Frederico Maroja de Medeiros, da Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento
Urbano e Fundiário, concedeu liminar e determinou o embargo da construção do
prédio de sete andares no Grande Colorado. “A rigor, toda e qualquer edificação
deve ser precedida da autorização administrativa. A edificação está sendo
levada a efeito em região onde está assentado parcelamento irregular, o que já
seria fundamento suficiente para o embargo à obra. Mas, mais grave, a obra
referida nos autos desborda até mesmo do padrão da ilegalidade presente na
região”, argumentou o magistrado. Ele fixou multa diária de R$ 5 mil em caso de
retomada da construção.
A
diretora da Agefis, Bruna Maria Pinheiro, explica que o órgão não tem estrutura
para remover todos os prédios irregulares em construção, mas garante que o
edifício de sete andares do Grande Colorado será derrubado, “para dar um recado
a quem aposta na ilegalidade”. O governo estuda fazer um contrato emergencial
para contratar uma empresa especializada. “É um trabalho bastante complicado
porque o prédio está no meio da avenida comercial. Não é possível fazer uma implosão
porque isso afetaria a estrutura dos edifícios vizinhos. Então, será preciso
fazer a derrubada manualmente”, detalha.
A
comerciante Viviane Lindau, 53 anos, tem um petshop no Grande Colorado e, há 12
anos, mora no Condomínio Bela Vista, que também fica na região. Ela acompanhou
o agravamento dos problemas de trânsito após o adensamento populacional. “Está
cada dia pior. E, por conta do grande número de quitinetes, à noite e nos fins
de semana, o estacionamento da área comercial fica lotado”, revela.
Fonte: Helena Mader – Thaís Paranhos – Correio Braziliense
DO PLANEJAMENTO AO CAOS URBANO »Era uma vez a área rural
Casas erguidas no Condomínio Bougainville, na Área de Proteção Ambiental (APA) do Rio São Bartolomeu: decisão judicial anulou todos os contratos de venda de lotes no local
Invasões como a do Condomínio Bougainville, localizado em
Área de Proteção Ambiental de Sobradinho, avançam sobre o cerrado e destroem a
vegetação. São 70 construções na região que resistem às ações do governo, da
polícia e do MP
Os grandes buritis, o solo encharcado e as nascentes de água
mostram a fragilidade ambiental da região. A proximidade com a Torre de TV
Digital, o mais recente cartão-postal de Brasília, comprova a alta valorização
dos terrenos. Na área rural de Sobradinho, o Condomínio Bougainville desafia a
fiscalização e cresce em ritmo acelerado. A terra é de propriedade do governo,
mas os grileiros é que mandam na região. Só neste ano, o número de obras
praticamente dobrou. Hoje, existem cerca de 70 construções prontas ou em
andamento – a maioria em área de preservação permanente. O parcelamento é mais
um entre as invasões que agravam o caos urbano do Distrito Federal.
O
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) instaurou um
inquérito civil público para apurar responsabilidades quanto às novas
construções no Bougainville. Há decisão da Justiça determinando o ressarcimento
a quem comprou terrenos no local, que faz parte da Área de Proteção Ambiental
(APA) do Rio São Bartolomeu. “Entramos com duas ações penais contra os
corretores que comercializavam os lotes e também abrimos inquéritos para apurar
a responsabilidade de quem insiste em construir no local. A área é bastante
valorizada e, infelizmente, as ocupações vêm crescendo vertiginosamente”,
critica o promotor de Defesa da Ordem Urbanística Dênio Augusto de Oliveira
Moura.
A Agefis iniciou operação de derrubada no Condomínio Bougainville: resistência e desafio às autoridades
Há cerca de dois anos, quando o número de casas era tímido no
parcelamento, a 4ª Vara Cível de Brasília considerou nulos todos os contratos
de venda dos terrenos do Bougainville. A Justiça determinou, ainda, que o
responsável pelo negócio, identificado como Clinton Campos Valadares,
ressarcisse os compradores de boa-fé, incluindo os gastos com benfeitorias.
Segundo o Ministério Público, ele teria vendido terra pública como se fosse
particular.
No mês
passado, a Agefis preparou uma grande operação para demolir todas as
construções em andamento. Mas, ao chegarem à área, os fiscais não conseguiram
finalizar o trabalho por causa de problemas com a pá carregadeira e pela falta
de apoio operacional. Somente a portaria, as grades, os muros e as cercas foram
derrubados, além de duas casas em obras. A Agefis enviou ao Comitê de Combate
ao Uso Irregular do Solo um pedido para nova operação, desta vez, para a
demolição de todas os imóveis em construção. Mas não há data para a empreitada.
Imóveis em construção no Morro da Cruz, em São Sebastião: 29 inquéritos abertos pela Polícia Civil do DF
O Morro da Cruz, em São Sebastião, é uma das regiões do
Distrito Federal mais visadas por grileiros. E o Estado não consegue acompanhar
a mudança rápida na paisagem. A vegetação da área rural ganha ares de cidade em
pouco tempo. Neste ano, um terreno livre de invasões foi dividido em lotes e
demarcado sem qualquer incômodo da fiscalização. Pelo menos 10 casas de
alvenaria apareceram no terreno pensado para abrigar produtores rurais.
Cobiça
Atualmente,
há 29 inquéritos em andamento na Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente e à
Ordem Urbanística (Dema) para investigar as ocupações irregulares no Morro da
Cruz. No ano passado, a Subsecretaria da Ordem Pública e Social (Seops)
realizou 203 operações na região. Ao todo, 447 construções foram demolidas e
88km de muros e cercas, derrubados.
O
Altiplano Leste, próximo ao fim do Lago Sul, é alvo da cobiça dos criminosos
pelo alto valor de mercado dos lotes fracionados irregularmente. No Privê
Morada Sul Etapa C, há uma ação civil pública com decisão transitada em julgado
que proíbe qualquer construção no local. No Estância Quintas da Alvorada, há
sentença judicial que prevê multa de R$ 1 milhão em caso de novas construções e
que obriga grileiros e moradores a restaurarem a área degradada. O condomínio
recorreu, e a decisão foi mantida em segunda instância. Os ocupantes recorreram
a uma ação de usucapião, mas perderam na Justiça, que reafirmou o pertencimento
da área à Terracap. Nada disso impede a continuidade das obras e a venda de
novos lotes.
Na última
quarta-feira, a Justiça aceitou a abertura de uma ação penal contra
administradores do Estância Quintas da Alvorada, entre eles a síndica do
parcelamento, Leda Cavalcante. Um inquérito policial foi aberto em 2010 pela
Dema para apurar os crimes de parcelamento irregular de solo. O Ministério Público
entrou com uma ação penal no mesmo ano. “Recebo a denúncia oferecida em
desfavor da acusada, além de outros acusados, já que a prova da materialidade
do delito e os indícios da autoria se encontram presentes”, argumentou o juiz
Júlio César Lerias Ribeiro, da 2ª Vara Criminal do Paranoá. O MPDFT pediu,
ainda, a prisão preventiva da síndica, mas o magistrado negou a solicitação.
“Não observo nos autos elementos suficientes de que a acusada tenha a intenção
de se furtar à aplicação da lei penal”, argumentou o juiz.
Governança
O
secretário de Gestão do Território e Habitação, Thiago de Andrade, conta que o
governo vai criar um grupo de governança territorial com representantes da
pasta e de órgãos como Agefis, Secretaria de Segurança Pública e
Terracap. “Será uma instância de articulação de gestão, com o objetivo de se
antecipar aos problemas”, explica. Para otimizar os trabalhos de combate às
invasões, o GDF estuda comprar um sistema de monitoramento do território via
satélite, com atualização de imagens a cada três horas. Hoje, o
geoprocessamento é realizado anualmente, por meio de um sobrevoo contratado
pela Terracap.
A
Secretaria de Gestão do Território não tem atribuição de coibir novas
ocupações, mas atua diretamente na regularização daquelas passíveis de
legalização. Thiago de Andrade conta que a meta à frente da pasta é acelerar o
processo. “O maior empecilho que encontramos ao assumir a secretaria foi a
desarticulação entre os diferentes órgãos do governo”, revela. Desde que
assumiu o cargo, ele ampliou o diálogo com a Terracap e com outras pastas. “Já
entregamos 1 mil escrituras e termos de concessão de uso. Até o fim do ano,
serão mais de 20 mil.”
As
regiões de Arniqueiras e Vicente Pires são prioridade, e os processos devem ser
analisados pelo Conselho de Planejamento Urbano e Territorial (Conplan) ainda
neste ano. “Estamos em um diálogo permanente com o Ministério Público, com
reuniões mensais, para debater as situações e, assim, evitar impugnações no
processo de registro dos lotes em cartório”, conta o secretário.
O
subsecretário da Ordem Pública e Social, coronel Alexandre José da Silva, conta
que, ao assumir o cargo em janeiro, encontrou contratos vencidos e falta de
estrutura para atuar no controle de novas invasões. “Isso dificultou muito a retomada
das atividades de combate ao uso irregular do solo”, comenta. “Mas, nos últimos
meses, realizamos 52 operações em todo o DF, especialmente em áreas
prioritárias como o Condomínio Bougainville e as regiões de 26 de Setembro e
Água Quente”, conclui.
Fonte: Thaís Paranhos – Helena Mader – Correio Braziliense