O mistério de JK
*Por Severino Francisco
“Como nasceu Brasília? A resposta é simples. Como
todas as grandes iniciativas, surgiu de um quase nada. A ideia da
interiorização da capital do país era antiga, remontando à época da
Inconfidência Mineira. A partir daí, viera rolando através das diferentes fases
da nossa história: o fim da era colonial, os dois reinados e os sessenta e seis
anos da República, até 1955”.
Certo dia, comecei a folhear o livro Porque
construí Brasília, de Juscelino Kubistchek, e não consegui parar de ler.
Pensei: caramba, JK escrevia muito bem, ele era escritor. Ele comenta sobre
Brasília: “Pregada por alguns idealistas, chegou, mesmo, a se converter em
dispositivo constitucional. No entanto, a despeito dessa prolongada hibernação,
nunca aparecera alguém suficientemente audaz para dar-lhe vida e convertê-la”.
Depois de um comício em Jataí, JK percorreu o
Brasil inteiro de avião. “Havia visto o Brasil de cima — a bordo de um avião eu
pude sentir o problema em todas as suas complexas implicações. Dois terços do
território nacional ainda estavam virgens da presença humana”.
O grande desafio de nossa história estava ali:
seria forçar-se o deslocamento do eixo do desenvolvimento nacional, escreve JK.
“Ao invés do litoral — que já havia alcançado certo nível de progresso —, povoar-se
o Planalto Central. O núcleo populacional, criado naquela longínqua região,
espraiar-se-ia como uma mancha de óleo, fazendo com que todo o interior abrisse
os olhos para o futuro grandioso do país. Assim, o brasileiro poderia tomar
posse do seu imenso território. E a mudança da capital seria o veículo, o
instrumento. O fator que iria desencadear novo ciclo bandeirante”.
A JK não escapa a relação entre o projeto
urbanístico e arquitetônico revolucionário de Brasília. “E, sobre o acúmulo das
maravilhas criadas pelo gênio humano, estende-se o infinito do horizonte
rasgado do Planalto — um horizonte baixo, que lembra as vastidões marinhas, e
que, sendo enorme, serve de palco, pela manhã e à tarde, aos mais deslumbrantes
jogos de luz de que é capaz a natureza”.
“Durante toda a sua história — do descobrimento até
o meu governo — vivemos, para aproveitar aqui uma observação do nosso primeiro
historiador, Frei Vicente do Salvador, ‘arranhando a areia das praias, como
caranguejos’”, comenta JK. O litoral foi de fato uma monovidência nacional.
Vivia-se por ele. Agia-se em função dele. E ignorava-se o que ocorria em
relação ao resto do Brasil: “Pode-se dizer assim, e com a maior segurança, que
o Brasil só se tornou adulto depois da construção de Brasília”, sentencia JK.
Logo depois de ler o livro, desvendei o mistério de
JK. É um claro enigma. JK escrevia tão bem porque os seus livros tiveram a
“colaboração” de Carlos Heitor Cony.
(*) Severino Francisco – Jornalista, colunista do
Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog - Google