A Igrejinha conta, atualmente, com o afresco do artista radicado na
capital Francisco Galeno
Igrejinha celestial
*Por Severino Francisco
Assisti, com Galeno, ao documentário Brasília, cidade modernista, dirigido pelo cineasta sueco Torgny Andenberg. O diretor sueco visitou a cidade nos tempos pioneiros da construção e registrou rápidas, mas preciosas imagens em cores do mural de Alfredo Volpi nas paredes da Igrejinha da 308 Sul, apagadas para sempre por uma mão de tinta, aplicada por um padre de poucas luzes.
Em 2009, Galeno foi convidado pelo Iphan para criar
outro painel, que reacendeu a polêmica sobre a arte modernista e a devoção
católica. Mas, felizmente, a incompreensão foi superada e Galeno promoveu uma
festa do céu na Igrejinha, ao pintar murais com pipas, borboletas, carretéis e
lamparinas. Toda de branco, a figura tutelar de Nossa Senhora de Fátima domina
o centro da cena.
Ao assistir ao documentário, me veio a certeza
fulminante de que, com todo respeito ao mestre modernista, o painel de Galeno
ficou mais bonito do que o de Volpi. Eu tenho a impressão de que o mestre
aplaudiria plenamente as audácias de Galeno.
Em uma primeira mirada, chama a atenção algumas
semelhanças formais entre o painel de Volpi e a versão de Galeno. Na de Volpi,
a parede lateral esquerda, no sentido de quem entra, é ocupada por
bandeirinhas, portas estilizadas e cordas usadas como suporte para decorar as
festas de são-joão.
Na de Galeno, as crianças que presenciaram a
aparição de Nossa Senhora de Fátima são representadas por pipas de um colorido
vibrante, que despertaram reações, muitas destemperadas, de alguns fiéis. A
imagem da Nossa Senhora de Fátima de Volpi é mais arredondada, acolhe o filho
nos braços, mas também não tem rosto, da mesma maneira que a santa criada por
Galeno.
Galeno já havia visto os painéis de Volpi em três
fotos em preto e branco, mas, só por meio do filme, entrou em contato com a
primeira vez com o trabalho do mestre construtivista em suas cores originais. O
azul de Volpi é mais calmo; o de Galeno, mais intenso e luminoso: “Fiquei muito
comovido de ver essas imagens, pois a minha família veio para Brasília no
início da construção da cidade. O azul é uma cor celestial, mas o do Volpi tem
a ver com as cores que ele vivenciou em sua infância em São Paulo. O que eu
usei já tem mais a ver com a luminosidade intensa de Brasília. É um azul mais
quente em sintonia com a tonalidade que o Athos Bulcão aplicou nos azulejos que
ficam na parede externa da Igrejinha”.
Segundo Galeno, as pessoas que contestaram o seu
painel têm agora de 70 a 80 anos e conheciam o painel de Volpi. E, talvez, por
isso mesmo, questionaram a sua intervenção na mesma linha abstrata, simbólica e
construtivista: “Eles tiraram os painéis do Volpi porque não queriam algo que
ficasse próximo do realismo, não admitiam a arte simbólica moderna.
Disseram-me que queriam algo como as igrejas de
Ouro Preto. O painel do Volpi é muito mais explícito do que o meu, parece mesmo
uma festa de são-joão. Na parte da direita, que não aparece no filme, há um
mastro de são-joão com um pássaro. Quando eu estava pintando, alguns comentaram
comigo: ‘Só está faltando um sanfoneiro’. Mas o Volpi foi muito respeitoso com
a fé religiosa. Ele usou o azul, que é uma cor celestial”.
(*) Severino Francisco – Jornalista, colunista do
Correio Braziliense – Fotos/Ilustração: Blog - Google