Março marca o início da construção do templo, que completa 60 anos em
2018. Patrimônio cultural, espaço é um dos símbolos da fé católica na capital
Capela foi erguida em 100 dias
*Por Lucas Nanini
Primeiro templo de alvenaria construído na capital
federal, a Igrejinha Nossa Senhora de Fátima, na 307/308 Sul, completa 60 anos
em 2018. A capela começou a ser construída justamente no mês de março em 1957 e
foi entregue em 100 dias. A inauguração ocorreu em 28 de junho daquele ano,
durante a celebração de casamento da filha do então prefeito de Brasília,
Israel Pinheiro.
A Igrejinha foi erguida a pedido da primeira-dama
Sarah Kubitschek, como agradecimento pela cura de uma filha. A ideia inicial
era construir um espaço para 800 fiéis, mas o projeto de Oscar Niemeyer acabou
feito sobre uma área que abriga 40 pessoas — 140 se contarmos o lado externo,
sob a “aba” do chapéu de freira.
Apesar do tamanho, a igreja é um dos principais cartões-postais
da cidade, atraindo fiéis católicos e visitantes de outras religiões ou que
dizem não professar nenhuma fé. Não é difícil ver pessoas a qualquer hora do
dia tirando fotos em frente ao local ou apreciando os azulejos de Athos Bulcão
e as pinturas de Francisco Galeno — aluno de Alfredo Volpi, responsável pelo
primeiro painel da capela.
“A Igrejinha é um espaço coordenado pelos
franciscanos, em especial os capuchinhos, por isso nossa paróquia se destaca
pela proximidade com os fiéis, pelo carisma junto ao povo, por ser uma igreja
acolhedora”, afirma o pároco da igreja Nossa Senhora de Fátima, frei Messias
Chaves Braga, que assumiu a coordenação em janeiro.
Para ele, é importante ressaltar que a igreja é
antes de tudo um local de celebração da fé católica e de encontro da
comunidade. “Nós temos uma atividade religiosa intensa, com missas todos os
dias, exceto na segunda-feira. Procuram-nos porque querem batizado, casamento,
missas de bodas. Aqui é um marco de Brasília, um espaço com diversas possibilidades
de celebrar a fé.
O prédio foi tombado como patrimônio cultural e
histórico nacional em dezembro de 1987. Segundo o superintendente do Instituto
do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan), o arquiteto Carlos Madson Reis, a
obra revolucionou o que se entendia por arquitetura de igrejas.
“Ela foi tombada por ser uma obra de arquitetura
significativa, tem a importância de ser primeira edificação em alvenaria, um
projeto de arquitetura expressivo de um dos arquitetos mais importantes do
século. A Unesco diz isso. Enfim, ela conta uma história, tem todo um
contexto”, declara.
Homenagem
Dona Sarah Kubitschek lançou a pedra fundamental da
Igrejinha em 26 de outubro de 1957. A maquete foi divulgada em janeiro do ano
seguinte. A ideia inicial era inaugurar a capela em 3 de maio de 1958, quando
faria um ano da primeira missa celebrada na capital, na Praça do Cruzeiro.
Não houve tempo hábil para abrir as portas da
igreja na ocasião, nem em 13 de maio, quando se comemora o Dia de Nossa Senhora
de Fátima. Depois de 100 dias desde o início das obras, a Igrejinha foi
oficialmente inaugurada para o casamento de Maria Regina Uchoa Pinheiro, filha
de Israel Pinheiro, e Hindemburgo Pereira Diniz.
Antes ainda da inauguração de Brasília, a igreja
entrou para a história por ser o local onde aconteceu o velório do engenheiro
Bernardo Sayão, importante nome na construção da capital que morreu em janeiro
de 1959, quando trabalhava na Rodovia Belém-Brasília.
Celebração de fé
De acordo com o frei Messias Chaves Braga, o fato
de a capela estar sempre aberta para ser visitada é um convite aos interessados
em ver de perto a primeira igreja de Brasília. “Não tem grade, não tem muro,
não tem barreiras. A comunidade também se reconhece, as pessoas ficam juntas,
ficam próximas ao altar.”
A dona de casa Terezinha de Queiroz Valença, 65
anos, é frequentadora assídua desde a década de 1970. Considera um “aconchego”.
“Eu não morava perto, mas, às vezes, no domingo, a
gente ia pro cinema, ia à sorveteria e depois ia pra missa. Isso entre 1965 e
1968. Gosto muito de lá, faço todas as bodas, participo do grupo de canto todo
sábado, com o meu marido, conheço toda as pessoas. É um ótimo lugar de
convivência, toda semana temos uma confraternização”, diz Terezinha.
Ministra da eucaristia da paróquia, a professora
aposentada Sônia Maria Gallo Muniz, 68, identifica a Igrejinha como “um pedaço
milagroso”. “Praticamente perdi a visão. Tive uma série de problemas, fiz três
cirurgias, mas foi lá que retomei a visão, lá voltei a enxergar.”
Sônia conta que sente muita paz e tranquilidade no
local e que gosta da arquitetura, dos frades, da comunidade e das amizades que
construiu. “Muitas vezes fico ali parada assim, olhando, conversando com Nossa
Senhora. Eu sou Igrejinha, sempre fui e sempre serei.”
Frei
Messias Chaves Braga, pároco: Não tem grade, não tem muro, não tem barreiras
Painel de Galeno: trabalho realizado entre janeiro e junho de 2009
Um artista predestinado
O artista plástico Francisco Galeno se diverte
dizendo que é um predestinado. Discípulo de Alfredo Volpi, o primeiro a pintar
painéis na Igrejinha Nossa Senhora de Fátima, ele nasceu na data em que se
comemora o dia da santa que dá nome à paróquia.
“Acho que estava desenhado que era para eu fazer a
pintura. Eu sou católico, nasci em 13 de maio, dia de Nossa Senhora de Fátima,
me chamo Francisco de Fátima Galeno. São esses mistérios que às vezes é melhor
nem entender”, brinca.
O artista fez a pintura das três paredes internas,
usando referências que existiam também na obra de Volpi — que foi coberta por
tinta azul quatro anos após a conclusão da Igrejinha.
“A obra do Volpi não tinha jeito de recuperar. Eu e
ele temos essa ligação com a cultura popular, então quis pôr na obra um pouco
de mim, da festa popular, se relacionando com os meninos que viram a imagem de
Fátima em Portugal, quis mostrar minha visão do lado feminino da construção de
Brasília, com o terço feito de carretéis, os brinquedos dos meninos.”
Os novos painéis foram feitos entre janeiro e junho
de 2009. Segundo Galeno, ser escolhido para fazer o trabalho é mais do que uma
honra e o insere na história de Brasília. “Agora eu estou com um pé na cidade.
Estar ali, no meio de Niemeyer, de Athos Bulcão, Lúcio Costa, isso tudo é um
prazer enorme.”
(*) Lucas Nanini – Fotos: Arquivo Público –
Fábio Almeida Prado – Ana Rayssa/CB/D.A.Press – Correio Braziliense