Recuperação e nascimento de espaços
culturais - As aulas no Centro de Dança, suspensas em 2013,
voltam após o carnaval - Locais abandonados por anos no Plano
Piloto começam a ser reabertos para a população e os artistas. Enquanto isso,
ganham força nas demais regiões administrativas movimentos que, de forma
independente, buscam a revitalização de outros lugares antes esquecidos
*Por Sarah Peres
Museu de Arte de Brasília deve reabrir em outubro,
após mais de 10 anos fechado
Obras do Espaço Cultural Renato Russo, fechado em
2013, devem terminar em março
Dos 271 pontos culturais distribuídos pela área central e nas regiões
administrativas do Distrito Federal, 17 são administrados pela Secretaria de
Cultura. Cinco deles estão fechados e vivem uma saga digna de filme. Com as
portas trancadas para o público, os alunos e os artistas, o vazio assola as
construções ao longo dos anos. Mas o anúncio dos trabalhos de revitalização e
ampliação dos locais trouxe esperança para essa história, que também
contada nas ruas de diversas cidades da capital federal, por meio
de iniciativas independentes do poder público.
A lista de monumentos abandonados que começam a ser devolvidos à
população após renovações conta com o Museu de Arte de Brasília (MAB),
desativado em 2007; o Teatro Nacional Claudio Santoro, lacrado para visitação
em 2014; o Polo de Cinema e Vídeo Grande Otelo, fechado desde 2014; além do
Centro de Dança, no Setor de Autarquias Norte, e do Espaço Cultural Renato
Russo, na 508 Sul, com atividades suspensas desde 2013.
A expectativa era reabrir esses dois últimos locais no segundo semestre
de 2017, mas as reformas atrasaram. Agora, a Secretaria de Cultura planeja
inaugurar os espaços renovados em janeiro e março, respectivamente. As aulas do
Centro de Dança devem voltar após o carnaval. Lá, as obras custaram mais de R$
3 milhões. Embora a fachada esteja pronta, uma das portas de entrada está sem
vidro e escorada somente por um pedaço de madeira. A parte interna continua
vazia.
No Espaço Renato Russo, o valor gasto ultrapassou R$ 4,9 milhões.
Os escombros da reforma ainda estão acumulados em um dos cantos internos, que
ganhou nova estrutura no teto. Na área externa, permanecem as rachaduras e as
cores dos grafites nas paredes perderam a força.
A ampliação e revitalização estrutural do MAB foi iniciada em
setembro do ano passado, com orçamento de quase R$ 7,7 milhões. A previsão de
entrega é 13 de outubro. O trabalho dos pedreiros começa a dar uma nova
cara ao museu, abandonado por 10 anos. Ali, os únicos sons são os da betoneira,
da furadeira e das conversas entre os trabalhadores. O antigo acervo incluía
obras de Tarsila do Amaral e Iberê Camargo, transferidas para o Museu Nacional,
na Esplanada dos Ministérios.
O Polo de Cinema e Vídeo Grande Otelo será substituído pelo Parque
Audiovisual, segundo a Secretaria de Cultura. Não há previsão para o início das
obras, mas o espaço será construído no Trecho 3 do Setor de Clubes Esportivos
Sul. A reabertura do Teatro Nacional ocorre em partes. O Foyer da Sala
Villa-Lobos foi reaberto ao público em 7 de dezembro, e a primeira fase da
reforma, na Sala Martins Penna, ainda não começou.
A
cidade vive
Enquanto pontos culturais no Plano Piloto são
revitalizados para se destacarem em meio ao concreto, comunidades locais se
encarregam da tarefa de manter a cultura viva no DF. Com esforço próprio, elas
enchem cada região de cores, de arte e de transformação social. Espaços
abandonados, antes temidos pelos moradores, agora são um chamado à participação
e ao engajamento da comunidade, que encontra atividades gratuitas e produtos e
serviços oferecidos por pequenos empreendedores locais, em um ciclo virtuoso
que amplia as opções de cada região. Confira a seguir as histórias de alguns
desses projetos.
"Somos vários grupos reunidos para
trazer vida à praça, que foi esquecida pelos moradores”
Tetê Alcândida, artista popular moradora do Sol
Nascente
Os nossos trabalhos são abertos a
todos, quem quiser apenas aprender, é só vir também”
Beco
da Cultura
Um dos primeiros centros comerciais de Brasília, construído em 1950, o
Mercado Sul, localizado na QSB 12/13, em Taguatinga Sul, começou a se destacar
na cena cultural a partir de 1980.
Com os artesãos, floresceu o desejo por um espaço que respirasse
cultura. Em 2015, artistas ocuparam as lojas abandonadas no local, expandindo a
atuação dos coletivos. A partir daí, o movimento ficoua conhecido como Mercado
Sul Vive, conforme explica a produtora cultural Dani Rueda, 33, (foto) moradora
de Taguatinga Sul. “Um dos espaços ocupados estava vazio há 17 anos. Temos um
processo judicial, mas nos foi permitido continuar no local até o julgamento,
que determinará
se ficamos com as lojas ou não”, afirma.
No total, são quatro lojas ocupadas. Uma é chamada de Casa Multiuso, que
passa por reforma. A Casa de Ofício agrega a loja do Bicicentro, de aluguel,
oficinas e montagem de bicicletas; a costuraria; a Ecoloja, de economia solidária
e com materiais biodegradáveis; e o Becomposto, de agricultura urbana.
Em 10 de fevereiro, a partir das 15h, a tradicional Ecofeira terá a
primeira edição de 2018, com apresentações culturais, feira artesanal e
comidas.
União
cultural
o Localizada em Taguatinga Norte, a
ocupação dpBatalhão das Artes cresce em meio à praça abandonada da Associação
Comercial e Industrial de Taguatinga (Acit). Em julho de 2017, o antigo posto
da Polícia Militar recebeu coletivos de todo o DF, que viram no espaço uma
possibilidade de fomento à cultura.
A artista popular Tetê Alcândida, 58,
(foto) moradora do Sol Nascente, explica o objetivo dos trabalhos. “A proposta
é que façamos atividades de utilidade pública. Por isso, somos vários grupos
reunidos em prol de ações culturais e opções de lazer para trazer vida à praça,
que foi esquecida pelos moradores”, relata. A ocupação colaborativa conta com
mais de 13 coletivos.
Em fevereiro, o espaço oferecerá
oficinas e feiras de artesanatos nas segundas e terças-feiras, em horário
comercial. As coloridas paredes, grafitadas pelo grupo Mulheres Grafiteiras,
substituíram a paisagem monocromática. O local ganhou ainda um canteiro de
horta urbana, com árvores frutíferas que dão abacate e maracujá. “Queremos
realizar uma casa de farinha no quintal e plantar árvores pela praça. Também
estamos recebendo doações de livros, geladeiras velhas e estantes, para
montarmos bibliotecas abertas nas redondezas”, afirma Tetê.
Transformação pela capoeira
Tambor, pandeiro e berimbau ditam o
ritmo das palmas e dos cantos em iorubá — língua oriunda das religiões de
matriz afro-brasileira, como o Candomblé — que ecoam no beco na QNP 1/5 do
setor P Norte, em Ceilândia. Enquanto isso, os corpos dançam equilibrados, em
um jogo de capoeira na área externa do Espaço Cultural Filhos do Quilombo,
criado em meados de 2010. “Como o lugar ficou vazio, a área ficou degradada e
moradores temiam passar aqui, por ter se tornado um local de assalto e
tráfico”, aponta o agente cultural e líder comunitário Thiago Dutra da Silva,
27,
o Lagartixa (à frente na foto). Agora,
o objetivo é ampliar o espaço com um teatro de arena feito de pneus e cimento,
uma casa de farinha no quintal, a construção da praça Quilombo, além de uma
sala de computação, tudo para atender a comunidade.
O Quilombo se tornou referência para
Matheus Damascena, 21, professor de capoeira e participante do projeto. “A
capoeira mudou minha vida completamente. Eu comecei bem novo e vi que não
compensa ficar na rua, a esmo. Hoje, a capoeira não é apenas identificação cultural,
mas a minha profissão”, ressalta. Com o tempo, o projeto se expandiu para
outras áreas de Ceilândia. Além do espaço cultural, quadras poliesportivas,
escolas e espaços de cultura como o Menino de Ceilândia recebem as aulas de
capoeira.
Música e oficinas - Alex Martins Silva, coordenador do Espaço Cultural Moinho de Vento e do Família Hip-Hop
Em um descampado da EQ 304/307, atrás
de uma escola pública, em Santa Maria Sul, um galpão se destaca. O espaço,
ocupado em agosto de 2011 pelo coletivo Família Hip-Hop, oferece serviços
gratuitos aos moradores. Ocupado, pertencia à antiga Associação da Criança e do
Adolescente (Acac), desativada em 2006. A ocupação começou com o encontro
Mutirão Hip-Hop, conforme explica Alex Martins Silva, 43 anos, (foto)
coordenador do Espaço Cultural Moinho de Vento e do Família Hip-Hop.
“Realizamos uma limpeza completa no espaço, jogando fora os materiais que
tinham apodrecido com o tempo. Depois, colocamos telhas e arrumamos tudo.
Fizemos grafites nas paredes, enquanto rolava muito break e rap”, relembra.
O coletivo mantém um estúdio de
produção musical, que passará por uma reforma estrutural, a fim de melhorar o
espaço. Ainda há oficinas de dança, de teatro e de serigrafia. Tudo de graça.
“As pessoas que agora compõem o coletivo são mais jovens, que fizeram aulas
conosco e quiseram fortalecer o movimento. Mas os nossos trabalhos são abertos
a todos, quem quiser apenas aprender, é só vir também”, convida Alex.
(*) Sarah Peres – Fotos: Antonio Cunha/CB/D.A.Press – Ed
Alves/CB/D.A.Press – Barbara Cabral/CB/D.A.Press – Correio Braziliense