Estudantes de Taguatinga preparam as placas que serão espalhadas pela
cidade: atitudes por uma convivência melhor - Dia Mundial da Gentileza é comemorado hoje, mas que tal fazer dela o
motivo para 365 celebrações, de janeiro a dezembro?
Por Júlia Campos
No dicionário, gentileza significa “qualidade ou caráter de gentil”.
Palavra de nove letras que faz toda diferença na convivência em sociedade. Mas,
afinal, o que é mesmo ser gentil? Não custa lembrar. São pequenas atitudes,
gestos e palavras que podem mudar o dia de quem está próximo — como um simples
bom-dia, por exemplo. Um sorriso, ao dar passagem a alguém no elevador, ou
ceder o lugar no ônibus ou no metrô, ou socorrer a pessoa que tropeçou...
Em meio a uma rotina corrida e de falta de tempo, coisas simples assim
costumam ficar em segundo plano. Mas não para gente como os jovens que fazem
parte do coletivo Mapa Gentil, com a proposta de transformar para melhor pelo
menos algum momento do dia do ser humano. Um dos trabalhos, para isso, é
espalhar, pela cidade, arte com mensagens positivas. São obras em placas
motivadoras, grafite, stickers (em adesivos) e esculturas feitas de lixo.
O projeto se inspirou na vida do paulista José Datrino, que ficou
conhecido como José Agradecido e Profeta Gentileza, depois que se mudou para o
Rio de Janeiro e passou a circular pelas ruas da cidade, nas décadas de 1980 e
1990, vestindo uma bata branca enfeitada e pregando o sentido do amor, da
espiritualidade e da solidariedade. Com essa visão, o coletivo começou a atuar
em uma escola pública, com um alvo específico, os alunos do ensino médio.
A iniciativa deu tão certo, segundo Janaína André, idealizadora do
projeto, que o diretor do colégio pediu que continuassem, alegando que as
ocorrências de violência dentro da instituição haviam diminuído. “Vimos que a
gentileza dentro do espaço escolar pode ser uma solução para os problemas e uma
mediação entre as relações.” Hoje, o Mapa Gentil conta com uma rede de artistas
que oferecem oficinas e laboratórios criativos na busca de soluções para os
problemas sociais locais.
A proposta já alcança as cidades de Taguatinga, Ceilândia, Riacho Fundo
e Samambaia. O coletivo acredita que a mobilização social para a transformação
pode ser construída por meio da arte contemporânea como forma de educação
pública. E o projeto sempre se inspira na própria vida e trabalha na dinâmica
de pessoas, espaços, lugares e memória.
O profeta da paz
Feito louco/ Pelas ruas/ Com sua fé/ Gentileza/ O profeta/ E as
palavras/ Calmamente/ Semeando/ O amor/ À vida...A canção de Gonzaguinha
homenageia José Datrino, o empresário que vendeu tudo o que tinha para virar o
Profeta Gentileza e representa, no Brasil, o Dia Mundial da Gentileza. A data
surgiu no Japão, em 1997, em um congresso que reunia gente de movimentos pela
gentileza de vários países. Vestido com uma bata branca onde costurou palavras
e imagens de paz, e repetindo que o mundo é uma escola de amor, o profeta
circulou pelas ruas do Rio de Janeiro por mais de 20 anos, pregando a atitude
que, para ele, salvaria o mundo: gentileza gera gentileza.
Arte de cuidar
“Focamos na ética e na estética da gentileza. Escolhemos um lugar que
seja simbólico daquele local e que precisa de cuidados”, explica Janaína.
“Trabalhamos com a ideia de que o espaço público é a extensão da nossa casa e,
por isso, precisa ser cuidado”, diz ela. O próximo passo será estender a
proposta para o lado norte de Brasília, começando por Sobradinho.
O principal conceito do projeto é instalar e mapear tudo que é
confeccionado. Após esse processo, os participantes convidam a comunidade local
a fazer um passeio pelas obras. “São roteiros culturais fora da área central de
Brasília. É uma galeria a céu aberto que possui obras gentis. Isso promove
encontro de pessoas e estimula a redescoberta da própria cidade. Incentivamos
até a mobilidade delas”, conta Janaína.
Uma das ações mais conhecidas são as placas com frases ou palavras
otimistas. A ação nasceu de um jogo que Janaína criou — a Trinca Social, um
baralho em que os jogadores discutem os problemas sociais, as causas e as
soluções. A confecção das placas é o resultado obtido ao final. “É algo que
transcende a atividade, não fica somente lá.”
Desde 2012, mais de 70 placas foram instaladas pelas ruas do DF. Para
Janaína, a gentileza precisa ser vivenciada por todos diariamente. Mas a data
comemorativa vale para que seja feita uma reflexão de como as relações humanas
são construídas e a forma como lidamos com o outro. “É um exercício de pensar
no coletivo. Tem a ver com o que o profeta falava de dar amor a quem não se
conhece.”
(*) Júlia Campos – Correio Braziliense