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Brasília agradece com emoção

Tudo começou com uma frase antológica tirada de um verso do poema Infante, de Fernando Pessoa, do livro Mensagem, de 1934: “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.”

*Por Jane Godoy 

Nunca vi tanta sabedoria e, no caso da medicina brasiliense, premonição até. Sonhamos e sonhamos muito, com fervor, com a construção de um hospital só para as crianças. Vê-las no Hospital Distrital da época, agora Hospital de Base, misturadas com adultos, em ambulatório, laboratório e na radiologia e outros espaços compartilhados, como elevadores, sem distinção de idade, era para os pediatras, enfermagem e toda a equipe, motivo de grande frustração e tristeza. Ainda mais porque a capital da República, com sua arquitetura modernista e urbanização revolucionária, comentada no mundo inteiro, paradoxalmente, não tinha um hospital voltado exclusivamente para as crianças.

Foi, então, uma luta de mais de 40 anos! Negociações, discussões, controvérsias. Nadando contra a corrente, fortalecidos pela premente necessidade de realização daquele sonho, surgiu o primeiro passo: a criação da Associação Brasileira de Assistência às Famílias de Crianças Portadoras de Câncer e Hemopatias, a Abrace.

Uma associação que nasceu da dor e da saudade de pais e mães que, indefesos e impotentes, viram seus pequenos partirem. Outros, mais afortunados, puderam assistir à cura de filhos acometidos por leucemia, por exemplo, mas sempre com aquela parcela de angústia, dor e medo da perda irreparável.

A instituição filantrópica cresceu a cada dia, tornando-se de utilidade pública e engrossando as fileiras do velho sonho de oferecer a Brasília e à região o tão sonhado hospital. Em solo fértil, com raízes profundas, há 30 anos ajudando pais e mães, com filhos portadores de câncer, como os deles, principalmente vindos de lares marcados pela exclusão social.

Os anos se passaram, a luta incansável seguiu seu caminho, traçando na história de Brasília um modelo de obstinação, fé e vontade de realizar o que a cidade inteira tanto esperava.

 Em 2000, a Secretaria de Estado da Saúde do Distrito Federal entregou à Abrace a designação do terreno do novo hospital. Começaram, então, os estudos e desenhos arquitetônicos, dando forma ao antigo sonho.
Em 19 de maio de 2004, a Abrace e a Secretaria de Saúde celebraram um convênio para a construção de dois blocos do complexo médico-hospitalar. O governo entrou, então, com o terreno, e a Abrace construiu o hospital, com a ajuda inestimável da comunidade, devolvendo-o para o Estado. “Queríamos um hospital público bem gerido. Sempre pensando nas crianças” garante Ilda Peliz, presidente da Abrace.

A ideia do Bloco I saiu do papel, ganhou contornos reais, com a ajuda de pessoas físicas e jurídicas, que doaram recursos à Abrace. Além da estrutura, a compra de móveis e equipamentos hospitalares contou com recursos da sociedade civil, por meio de doações e campanhas do Instituto Ronald MCDonald.

Em 23 de novembro de 2011, o hospital que recebeu o nome de Hospital da Criança de Brasília José Alencar —  em homenagem ao seu maior benemérito, já falecido, vice-presidente José Alencar —  foi inaugurado. Os números do HCB são astronômicos, com milhões de atendimentos e milhares de famílias beneficiadas, nesses seis anos de existência.

Surgiu, então, a necessidade da construção e conclusão do Bloco II, para abrigar as unidades de internação cirúrgica, internação clínica e cuidados paliativos, interação para pacientes transplantados, UTI, enfermarias, centro cirúrgico, Centro de Ensino e Pesquisa, entre outras unidades.

Mais luta, mais dificuldades e negociações, os contras apareceram com força total, mas a vontade de realizar o sonho e atender a crianças falou mais alto e foram em frente, já que a World Family Organization (WFO) assumiu a construção do Bloco II, através de um contrato com o governo do Distrito Federal. Em 2015, final e felizmente, foram retomadas as obras.

A ansiedade e a expectativa foram substituídas pela esperança de, no menor espaço de tempo, assistirmos à inauguração daquele que vai completar, para sempre, as aspirações da medicina infantil do Brasil Central. A exemplo de Barretos, Brasília terá também, completo, o seu tão sonhado hospital só para crianças e adolescentes. As barreiras foram vencidas.


(*) Jane Godoy – Coluna 360 Graus – Correio Braziliense

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