Nathan Copeland, 29 anos, que testou o novo braço robótico
Tetraplégico volta a sentir o toque graças ao implante de chips no
cérebro. Os dispositivos permitem também que a sensação seja experimentada por
meio de um braço robótico. A pesquisa aprimora a tecnologia das próteses
movidas pela mente
Onze de novembro de 2004 tinha tudo para ser um dia importante na vida
de Nathan Copeland. Aos 17 anos e recém-admitido no programa de nanotecnologia
da Universidade Penn State Fayette, ele se candidatava a um emprego de meio
período para ajudar a pagar os estudos. Naquela manhã de nevasca, pediu o carro
emprestado para a avó e se dirigiu à entrevista, na cidade de New Stanton, a 30
minutos de onde morava. O tempo ruim desestabilizou o veículo. Nathan sofreu um
acidente e sua medula espinhal se quebrou em quatro partes.
Paralisado
do peito para baixo, ele consegue mexer os braços, mas perdeu o movimento das
mãos e qualquer sensação de tato nos membros superiores e inferiores. Agora,
graças a uma técnica experimental do Instituto do Cérebro da Universidade de
Pittsburgh, que utiliza um chip implantado no cérebro, ele voltou a
experimentar o tato, tanto no próprio braço quanto por meio de um membro
robótico.
O estudo
representa um grande avanço para as próteses eletrônicas. Nos testes, Nathan
fez com que o equipamento segurasse um objeto e, ao mesmo tempo, pôde sentir
como se fosse a própria mão a segurá-lo. O grau de sutileza impressiona. Em um
vídeo divulgado pela universidade, o líder do estudo, Robert Gaunt, encosta nos
dedos da mão robótica enquanto Nathan está com os olhos vendados. O voluntário
é capaz de dizer se o toque foi no polegar, no indicador ou em alguma das
outras estruturas. “Posso sentir cada dedo. Realmente, é algo esquisito”, conta
o jovem, hoje com 29 anos, por meio da assessoria de imprensa da instituição.
“Na maior parte do tempo, posso identificar os dedos com precisão.”
Avanços
A
técnica se baseia na abordagem interface cérebro-máquina e na estimulação
elétrica, que vêm sendo investigadas por laboratórios do mundo inteiro,
incluindo o do brasileiro Miguel Nicolelis, da Universidade de Duke, que já
obteve importantes resultados com macacos. Contudo, a equipe de Pittsburgh deu
um passo à frente, fazendo os testes com humanos.
Os
experimentos do Departamento de Medicina Física e Reabilitação começaram há
quatro anos, quando Jan Shcuermann, que sofre de tetraplegia devido a uma
doença degenerativa, usou um braço robótico controlado pela mente para tomar
chocolate quente. Na mesma época, os pesquisadores conseguiram fazer com que
Tim Hemmes, que também teve lesão medular devido a um acidente de moto, desse
as mãos para a namorada.
Embora
permitissem aos pacientes recuperar algum movimento, esses experimentos, que
abriram caminho para o atual, não podiam devolver o tato. E isso é muito
importante porque a interação com os objetos não se baseia apenas na
movimentação dos músculos; ela depende da sensação que as diferentes
superfícies provocam — é o que vai fazer, por exemplo, o cérebro compreender
que precisa colocar mais força para segurar uma caneca e ser mais suave para
manipular uma colher de café.
O
trabalho atual foi publicado na edição desta semana da revista Science
Translational Medicine. O procedimento começou com o implante de dois chips em
uma região do cérebro ligada ao controla as sensações de tato, calor e frio,
entre outras. Uma semana após a cirurgia, os testes se iniciaram. De duas a
três vezes por semana, Nathan Copeland ia ao laboratório onde ficava por até
quatro horas. Robert Gaunt conta que, nas primeiras semanas, mesmo sem a
estimulação elétrica, Nathan tinha sensações espontâneas temporárias no braço e
na mão direita, descritas como formigamento. Passado um mês, esse incômodo não
era mais percebido.
Nos
treinamentos, ele recebia estímulos elétricos por meio de um aparelho conectado
aos chips implantados em seu cérebro. Segundo Gaunt, esses minicircuitos foram
instalados nas áreas específicas do cérebro do paciente que enviavam ao braço
direito e à mão direita os sinais associados às percepções sensoriais. Esse
sistema permanece intacto, pois o jovem não sofreu danos no cérebro. Porém, a
sinalização não chega até os membros porque a ligação cérebro—braço—mão foi
interrompida pela lesão na medula espinhal. A estimulação elétrica auxilia a
“religar” o circuito.
Não
demorou para que Nathan começasse a ter algumas sensações nos dedos, na palma
da mão e nos braços, quando tocado. “Ele descrevia as sensações dizendo: ‘É
quase como se você tivesse empurrado ali, mas não senti tanto assim o braço’.
Outras vezes, a estimulação provocava sensações descritas como um toque muito
leve, mas essas coisas não eram tão frequentes”, conta Gaunt, que é professor
de medicina física e reabilitação. Seis meses após o treinamento, ele ainda
tinha sensações como essas espontaneamente.
Integrado
Depois,
os cientistas começaram a testar a resposta de Nathan a um sistema mais
integrado. Os conectores ligavam o cérebro do jovem à máquina de estimulação,
que, por sua vez, também estava associada a um braço robótico. Era como se essa
prótese fizesse parte do corpo de Nathan, pois estava conectada a seu cérebro.
Para não sofrer influência visual, os olhos dele foram vendados. Então, Gaunt
encostava em cada dedo do braço robótico e perguntava ao paciente onde ele
havia sentido o toque. Nathan respondeu sem errar em 93% das vezes. Ele também
foi capaz de sentir pressão nos dedos e na palma da mão e distinguir a
intensidade até certo ponto. Ainda não pode, contudo, dizer se uma substância é
quente ou fria.
“Nós nos
orgulhamos muito dos nossos trabalhos anteriores, nos quais conseguimos fazer
com que as pessoas controlassem um braço robótico com algum grau de liberdade.
Mas o participante de nosso estudo atual, o Nathan, na verdade não só consegue
controlar o movimento do braço robótico, como tem uma sensação como se fosse a
própria mão sendo tocada”, comemora Michael Boninger, diretor da Divisão de
Serviços de Saúde da instituição.
Robert
Gaunt explica que o objetivo da equipe é criar um sistema que mova e sinta,
assim como um membro natural faz. O resultado do trabalho, diz, abre caminho
para o desenvolvimento de próteses mais realistas, que devolvam a autonomia de
pessoas que, como Nathan, sofreram lesão na medula espinhal.
Três perguntas para - Robert Gaunt, professor de medicina física e reabilitação do
Instituto do Cérebro da Universidade de Pittsburgh
A abordagem é semelhante à aplicada pelo cientista brasileiro
Miguel Nicolelis, que também pesquisa a estimulação elétrica para
recuperação de movimentos?
Os estudos de interface cérebro-máquina começam a ser trabalhados em
muitos laboratórios pelo mundo, incluindo o do doutor Nicolelis. O laboratório
dele fez algum trabalho em animais com abordagens básicas de estimulação, no
qual ele mostrou que é possível detectar a estimulação elétrica no cérebro de
um macaco. Aqui, fomos um pouco além disso, já que fizemos o trabalho em uma
pessoa com lesão na medula espinhal cervical.
Quem poderá se beneficiar mais desse
estudo?
Em princípio, essa abordagem poderia ser usada
para pessoas que tiveram perda sensorial de muitos tipos, desde que a razão
para a perda das sensações não tenha nada a ver com o cérebro. Então, para
indivíduos com diabetes, por exemplo, nos quais a sensação de tato nas mãos e
nos pés fica comprometida, essa tecnologia também poderia, teoricamente, ser
aplicada. Porém, nosso foco atualmente são as lesões da medula espinhal
cervical.
Neste momento, o que os senhores
estão pesquisando dessa tecnologia?
Nosso grande passo adiante é associar o controle
motor à sensação de tato, porque assim poderemos fechar esse ciclo. Esses
experimentos estão em curso neste exato momento. Nosso participante pode
controlar o braço robótico e também pode sentir quando a mão robótica toca
objetos. Nós estamos trabalhando para ver se essa sensação de toque pode
melhorar a capacidade para segurar e manipular objetos.
Fonte: Paloma Oliveto – Correio Braziliense