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"O lado B do futebol" ~~ Entrevista / Daniel Cohn Bendit

No Brasil para fazer um documentário sobre o esporte mais praticado no país, Daniel Cohn Bendit questiona o poder da Fifa e fala sobre as manifestações contra o Mundial.

Em 1984, Daniel Cohn Bendit passou quatro meses viajando pelo Brasil em um ônibus leito em companhia da namorada, que, mais tarde, se tornaria sua mulher. Na época, desembarcou na Rodoviária de Brasília, deu uma olhada na Esplanada dos Ministérios e, quatro horas depois, estava de volta à poltrona do ônibus leito. Cohn Bendit, o estudante que inflamou Maio de 68 em Paris atrás de barricadas e com discursos de esquerda, não gostou da cidade. Esta semana, ele repetiu a experiência. Desta vez, ficou quatro dias, fez entrevistas, escreveu sobre a cidade e registrou cenas para o documentário Futebol, o filme, no qual pretende mostrar como os brasileiros vivem a Copa do Mundo fora dos estádios.

 O road-movie de Cohn Bendit dispensa o avião. É por terra, à frente de um camping car, que a equipe do filme se desloca. “O camping car foi pintado por um artista da favela Chácara do Céu, do Rio, e com ele saímos pelo Brasil vivendo o que chamo de contracampo da Copa do Mundo. Tem a Copa nos estádios, mas tem os problemas que ela traz”, diz Cohn Bendit.

Uma das primeiras paradas foi na casa do índio guarani Werá Jeguaka Mirim, autor do protesto que pedia a demarcação de terras indígenas durante a abertura do Mundial no Itaquerão. Desde então, Cohn Bendit já esteve em uma periferia que afastou a violência com saraus de poesia, entrevistou jogadores engajados política e socialmente, contou a história do jogador Sócrates e seu compromisso com a democracia e assistiu ao jogo do Brasil contra  Camarões na Torre de TV. Ainda vai passar por Belo Horizonte e Salvador.

 Ex-deputado no Parlamento Europeu, uma das lideranças do Grupo dos Verdes/Aliança Livre europeia e francês nascido alemão, Cohn Bendit quer abordar os lados social e político do futebol. Para isso, ele está à procura de jogadores herdeiros de Sócrates e Afonsinho. O filme é o projeto maior, mas, enquanto explora o Brasil, ele faz também uma espécie de diário ao vivo. 

Todos os dias, envia uma videocrônica para o jornal francês Libération, um podcast para a rádio Europe 1 e um minidocumentário para o canal de televisão Arte, todos patrocinadores do projeto. As imagens em formato de videoblog, as inserções televisivas e os programas de rádio captaram a audiência de 1 milhão de pessoas. Todos os dias, sem nunca entrar num estádio e longe das fontes oficiais, o jornalista conta ao mundo como o Brasil vivencia a Copa do Mundo. Em Brasília, ele conversou com o Diversão & Arte sobre o documentário e sobre o que tem observado durante a viagem pelo Brasil.



Entrevista / Daniel Cohn Bendit

O senhor quer incluir no filme jogadores que, como Sócrates, tiveram uma atuação social e política. Há essa consciência no futebol brasileiro atual?
Sim. Queríamos entrevistar o Juca Kfouri durante as transmissões que ele faz no estádio, mas não tínhamos direito de entrar. Mesmo não tendo jogo, treino, nada. Eles (a organização do Mundial) são completamente loucos. É o território Fifa. Há uma Fifaland, ela assumiu uma parte do território brasileiro. O Kfouri diz que os jogadores do Bom Senso Futebol Clube seguem um pouco na tradição desses jogadores (Sócrates e Afonsinho). O jogador Paulo André, que é um dos porta-vozes de Bom Senso, nos contou que a CBF e o Corinthians o empurraram para fora do Brasil. Ele está em exílio dourado, porque está ganhando muito dinheiro na China, mas não o queriam mais no Brasil. Precisamos encontrar antes do fim do Mundial um jogador que possa expressar o que diz Bom Senso. Tem o Juninho, por exemplo. Mas ainda não sabemos.

O que foi mais significativo até agora na sua viagem?

Fizemos um post em uma cooperativa na periferia de São Paulo que é muito impressionante: é um sarau no qual, toda quarta-feira, há uma sessão de poesia. Tem muita gente, dentro e fora, e é uma experiência coletiva. Segundo o poeta que criou isso, era um dos bairros mais perigosos de São Paulo. Com essa iniciativa coletiva, ele ajudou a pacificar esse bairro, que se tornou um lugar no qual não precisamos ficar angustiados de passear ou até de filmar. Essa solidariedade entre os jovens e os mais velhos me impressionou muito. E tem essa história do indiozinho Guarani (na abertura da Copa), que não interessou nem um pouco a mídia brasileira.

E por que, na sua opinião, há essa indiferença?
Porque a esquerda brasileira, de forma geral, não está nem aí para o que acontece com a população indígena.


Se diz muito no Brasil que o futebol é uma metáfora da vida. O que o senhor acha disso?
Acho um pouco exagerado. Mas é claro que a Copa do Mundo é um momento de solidariedade na sociedade, é viver junto alguma coisa. A cada quatro anos, o futebol estabelece uma ligação de coletividade entre as pessoas na qual se expressa um orgulho nacional. 

O senhor ficou surpreso de que as manifestações do ano passado não terem se reproduzido este ano?

Minha experiência política pessoal me diz que os que esperavam mais manifestações têm pouco conhecimento da dialética dos movimentos sociais. Os movimentos são irracionais. Começam não se sabe como e param não se sabe o porquê. É o azar, uma faísca. Por exemplo, na Copa das Confederações. No início houve uma pequena manifestação, depois surgiu a história do aumento das passagens de ônibus, que se transformou numa imensa manifestação em todo o país. Mas depois parou. Isso me lembra 1968 na França. Quinze dias antes do início do movimento, houve um grande editorial no Le Monde intitulado Quando a França está entediada — em todo o mundo acontecia algo, salvo na França. O editorial dizia que a sociedade francesa estava morta. E aí houve uma faísca, as manifestações, os estudantes, as greves, e em junho estava tudo acabado. Toda a esquerda começou a dizer, que depois das férias, tudo recomeçaria. E nada. No Brasil, tudo aconteceu há um ano e claro que ainda tem o problema da violência, da repressão, mas as pessoas foram tomadas pela Copa do Mundo e basta. É assim que funciona. Assim são os movimentos sociais. Se tudo fosse previsível em política, tudo seria mais fácil, saberíamos como fazer, como organizar. Mas não é assim que funciona.

Em entrevista recente, o ministro Gilberto Carvalho, chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, disse que o PT tem a ilusão de que o povo pensa que está tudo bem. O que o senhor acha dessa declaração?
Isso é verdade. É preciso fazer uma diferença entre as manifestações e as críticas que existem com relação à organização da Copa. Acredito que todo mundo diz a mesma coisa, todos são críticos, o que não quer dizer que todo mundo vai se manifestar. O que acontece no Brasil é um pouco o que está acontecendo em toda a Europa: a crise do capitalismo, do liberalismo e do produtivismo faz com que as pessoas não estejam contentes. Não está tudo bem. As pessoas têm medo economicamente. A consciência das pessoas está impregnada da ideia de que as coisas estão cada vez piores. A grande chance do PT é que não há alternativa real no cenário. 

Por que na Europa, quando essas crises acontecem, a sociedade vai à direita e, na América Latina, a tendência é à esquerda?
Há uma evolução à direita na Europa sim, o que não quer dizer que a direita pode tomar o poder nesse momento. Mas há uma parte da sociedade que pende para a direita. Acredito que a América Latina vive ainda os últimos sobressaltos do imperialismo. Depois das ditaduras, houve essa virada à esquerda. Alfredo Sirkis (PSB-RJ) acredita que nos próximos anos haverá um forte partido de direita que vai emergir no Brasil. Há nesse momento, depois da experiência com o PT, uma parte da sociedade que vai à direita e isso se expressa pelo conservadorismo de uma certa parcela da sociedade, que é religiosa e mística. Essa pode ser uma das dinâmicas que vai estruturar um partido de direita. Acho que a América Latina está chegando ao fim, digamos, desse ciclo de ir à esquerda para sair das ditaduras.  


Por: Nahima Maciel  - Correio Braziliense - 26/06/2014

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